Avaliação psicológica para manuseio de arma de fogo: considerações críticas à IN-DPF Nº 78 de 2014

por Amanda Simas Maya
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Atualmente, com o avanço da profissão de psicólogo no Brasil, esse tipo de profissional tem sido requisitado nos mais diversos contextos: organizacional, escolar, jurídico, hospitalar, clínico, trânsito, etc. Segundo a Lei Federal em vigor 4.119 de 27 de agosto de 1962, que regulamenta a profissão de psicólogo no país, artigo 13, primeiro parágrafo, consta que é função privativa do psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.

Sendo assim, também houve um crescimento de demandas de avaliação psicológica, que não é uma área reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia como uma “especialização” propriamente dita, não constando na lista de especialidades da Resolução do CFP Nº03/2016, que institui a consolidação das resoluções relativas ao Título Profissional e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. As especialidades concedidas atualmente são: Psicologia Escolar/Educacional; Psicologia Organizacional e do Trabalho; Psicologia de Trânsito; Psicologia Jurídica; Psicologia do Esporte; Psicologia Clínica; Psicologia Hospitalar; Psicopedagogia; Psicomotricidade; Psicologia Social; Neuropsicologia; e Psicologia em Saúde.
Yazigi apud Lohr (2006:105) pesquisou sobre a avaliação psicológica na formação clínica de psicólogos, apontando que para uma boa formação nessa área, o profissional de psicologia precisaria dominar “noções sobre diferentes formas de avaliação do funcionamento mental: objetivas e projetivas, cognitivas, afetivas, socioemocionais, motoras”. Segundo a Cartilha de Avaliação Psicológica do CFP e dos Conselhos Regionais de Psicologia (2013:11), a capacitação em avaliação psicológica poderia ser descrita como a habilidade de saber planejar e realizar todo o processo de avaliação, considerando o contexto em que se insere, o propósito da avaliação, os construtos que serão investigados, adequação de características das técnicas e dos instrumentos aos examinandos e as condições técnicas metodológicas e operacionais dos instrumentos. O que pode ser percebido que na prática dos cursos de graduação em psicologia ainda tem deixado a desejar, muitas vezes não familiarizando os alunos com a avaliação psicológica, de modo que favorecesse aos mesmos a apresentação de um posicionamento crítico e consciente acerca dos instrumentos, como também da forma de apresentação dos resultados obtidos a partir da avaliação psicológica e seus respectivos documentos.
A Avaliação psicológica (AP) é um processo de investigação que visa conhecer fenômenos psicológicos (Cruz, 2004) facilitando a interação entre os indivíduos e proporcionando maior segurança para as decisões profissionais nas áreas em que se insere. (RAFALSKI & ANDRADE, 2015:601)
Portanto hoje qualquer profissional graduado em psicologia e inscrito no conselho de sua respectiva região pode adquirir testes psicológicos, como também realizar avaliações psicológicas, desde que o mesmo se sinta tecnicamente e teoricamente capaz para tal fim. Porém, de acordo com as normas da Polícia Federal, o psicólogo que tiver interesse em trabalhar com avaliação psicológica para manuseio de arma de fogo deve primeiramente protocolar um requerimento de solicitação de credenciamento junto ao SINARM – Sistema Nacional de Armas, acrescido das demais documentações necessárias listadas na Instrução Normativa do Departamento de Polícia Federal , DPF Nº 78 DE 10.02.2014, dentre elas: comprovação de que possui pelo menos dois anos de efetivo exercício na profissão e certificadoque ateste sua aptidão para a aplicação dos instrumentos psicológicos previstos nos incisos I e II do art. 5º da IN 78/2014-DG/PF (testes expressivo e projetivo). Dentro dessa instrução normativa também consta uma lista dos indicadores necessários para a indicação de aptidão, como também de indicadores restritivos para o caso de inaptidão da pessoa avaliada. Por outro lado, segundo pesquisas, “não existe um perfil específico e nem instrumentos capazes de contribuir efetivamente para a concessão do porte de arma” (CANEDA & TEODORO, 2010:471).
Ainda segundo Caneda e Teodoro (2010:471) esse é um assunto que vem preocupando psicólogos e pesquisadores atualmente, tendo em vista a importância e a necessidade da avaliação psicológica nesse processo e a falta de instrumentos específicos na literatura brasileira. “A avaliação psicológica para o porte de arma é marcada por dificuldades e limitações em sua fundamentação e exercício, não existindo consenso sobre sua validade em relação à segurança pública” (CANEDA, 2009 apud CANEDA & TEODORO, 2012:163).

A preocupação burocrática e documental que envolve esta avaliação, a falta de parâmetros para avaliação de perfil dos avaliados e o problema do descrédito do psicólogo como avaliador surgiram como temáticas adjacentes, suscitando a discussão do papel da formação na disseminação de melhores práticas profissionais. (RAFALSKI & ANDRADE, 2015:600)

De acordo com art. 5º da IN 78/2014-DG/PF, a bateria de instrumentos de avaliação psicológica que deve ser utilizada para aferição de características de personalidade e habilidades específicas dos usuários de arma de fogo e dos vigilantes deve contar com, no mínimo:
- 01 teste projetivo;
- 01 teste expressivo;
- 01 teste de memória;
- 01 teste de atenção difusa e concentrada; e
- 01 entrevista semiestruturada.

Ainda segundo a mesma instrução normativa, além da bateria de testes pré-estabelecida, também consta uma lista de indicadores necessários e restritivos para o usuário de arma de fogo, e outra para o desempenho da função de vigilante:

Indicadores psicológicos ao portador de arma de fogo
Atenção necessária concentrada e difusa
Memória necessária auditiva e visual
Indicadores psicológicos necessários
Adaptação, autocrítica, autoestima, autoimagem, controle, decisão, empatia, equilíbrio, estabilidade, flexibilidade, maturidade, prudência, segurança e senso crítico
Indicadores psicológicos restritivos
Conflito, depressão, dissimulação, distúrbio, exibicionismo, explosividade, frustração, hostilidade, imaturidade, imprevisibilidade, indecisão, influenciabilidade, insegurança, instabilidade, irritabilidade, negativismo, obsessividade, oposição, perturbação, pessimismo, transtorno e vulnerabilidade

Tabela 1
Fonte: http://www.pf.gov.br/

Indicadores psicológicos para o desempenho da função de vigilante
Atenção necessária difusa e concentrada
Memória necessária visual e auditiva
Indicadores necessários
Adaptação, atenção, autocontrole, afetividade, autocrítica, concentração, controle emocional, decisão, empatia, energia, equilíbrio, estabilidade, flexibilidade, maturidade, memória, meticulosidade, percepção, prudência, relacionamento interpessoal, resistência à frustração, segurança, senso crítico, sociabilidade.
Indicadores restritivos
Reações relacionadas aos transtornos: mentais causados por uma condição médica geral, relacionados a substâncias, somatoformes, factícios, dissociativos, do humor, de ansiedade, da personalidade. Preconceito, fanatismo.

Tabela 2
Fonte: http://www.pf.gov.br/

A partir desses dados pode-se inferir que apesar do padrão pré-estabelecido da bateria de instrumentos ser o mesmo, e pontuando que o profissional deve ter a capacidade de selecionar os testes que serão utilizados sempre levando em consideração a escolaridade do examinando, nota-se que os indicadores psicológicos restritivos diferem entre os dois públicos, como também alguns indicadores necessários, como a autoestima e a autoimagem necessárias a quem porta arma de fogo, porém não citadas como necessárias ao desempenho da função de vigilante por exemplo.

Não obstante tais obrigatoriedades, estudos nacionais apontam: a) reduzido número de pesquisas que abordam a avaliação psicológica para o porte de arma (CRP/ SP, 1997; Pellini, 2006; Caneda, 2009; Caneda & Teodoro, 2010); b) ausência de critérios específicos para avaliar o perfil do portador de arma de fogo (Resende, 2012; Thadeu, Ferreira & Faiad, 2012); c) deficiente capacitação profissional dos psicólogos (Simonovich, 2012); d) divergências de posicionamentos entre psicólogos, quanto a possibilidade de predição do comportamento para o porte de arma. (CANEDA & TEODORO, 2012:163).

Também é relevante expor que nos termos do art. 16 da Lei nº 7.102/83, para exercer a função de vigilante é necessário que o candidato tenha idade mínima de 21 anos, e instrução mínima correspondente a quarta série do ensino fundamental, além de treinamento obrigatório em empresa de curso de formação autorizado pela Polícia Federal onde recebem capacitação para o exercício da atividade de vigilante e manuseio de arma de fogo. Já para adquirir uma arma de fogo, a pessoa interessada deve ter idade mínima de 25 anos, exceto para os cargos definidos no artigo 28 da Lei 10.826/03, declaração de efetiva necessidade expondo os fatos e as circunstâncias que motivaram o pedido, comprovação de capacidade técnica comprovada, comprovações de idoneidade, certidões negativas e demais documentos listados pela Polícia Federal, além de comprovação de aptidão psicológica, esta última também exigida aos vigilantes.

Sampaio, Nakano e Silva (2011) analisaram a expressão da raiva através do Teste Staxi, influência da escolaridade e faixa etária no grupo de candidatos ao porte de arma. Utilizaram uma amostra composta por 124 participantes, ambos os sexos com idades entre 27 e 77 anos, sendo 18 com escolaridade equivalente ao ensino fundamental, 53 com ensino médio e 54 com ensino superior. Os resultados indicam melhor adequação dos indivíduos com maior escolaridade em uma faceta positiva da expressão da raiva (controle) e resultados mais altos dos indivíduos com pouca escolaridade em uma faceta negativa (temperamento raivoso). Assim, pode-se discutir a influência do nível educacional no processo de resposta a esse tipo de inventário. (CANEDA & TEODORO, 2012:167)

Ainda quanto aos vigilantes, a instrução normativa também cita as responsabilidades envolvidas na atividade, são elas: lidar com informações sigilosas; utilizar equipamentos; controlar o trâmite de documentos; zelar pela integridade física das pessoas; lidar com numerários; proteger instalações; operar armamento; e utilizar circuito interno de TV.
Portanto, a partir dos dados apresentados, podem ser levantados alguns questionamentos como: Qual a relevância de se avaliar a atenção difusa desses candidatos? E quanto seria o “necessário”? O que seria “atenção difusa”? E a avaliação da memória “auditiva” indicada como necessária para a aptidão? Existe algum instrumento aprovado pelo SATEPSI (sistema de avaliação de testes psicológicos), capaz de aferir essa habilidade? E quanto a avaliação da inteligência desses candidatos? Não seria também necessária?E quanto aos indicadores psicológicos necessários e restritivos? Haveria uma quantidade mínima de indicadores necessários para a aptidão? Ou uma quantidade mínima para a inaptidão? E as diferenças de indicadores entre os dois públicos? Como o psicólogo deve se posicionar quanto a isso?
O modelo de Laudo Psicológico também é apresentado com um padrão definido na mesma instrução normativa, porém estaria esse modelo de acordo com a Resolução CFP nº 007/2003 que trata sobre a elaboração de documentos escritos por psicólogos?

Amanda Simas Maya - Especialista em Avaliação Psicológica.

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